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A Gravidade da Tristeza

Updated: Jun 10

E entre cinzas que voam, há quem veja beleza.

Para ti, que sabes ouvir os gemidos suaves do pó.

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A tristeza senta-se com as suas longas pernas sobre a rocha onde, um dia, germinou a esperança. Os seus pés, pesados, frios e nus, repousam sobre a terra do amanhã.

O seu dedo grande, nu e ferido, bate no chão com uma dor imensa — em suaves batidas.

Ali nasce o que não se encontra: uma ferida eterna, vazia, abandonada.

Num gesto louco de embalar-se, a tristeza já não se reconhece.

E o amanhã… nunca nasce.

Permanece sentada, esmagada, afundada no mais profundo do seu existir.

Sem olhos para ver em frente, a sua direcção é ditada pelo impulso do dedo grande.

Sustenta-se, faminta, do que não é.

E, sem fome suficiente, jamais pergunta pelo que será.

Sem se aperceber, sufoca a esperança que brota, timidamente, da rocha da fé.

Antes de se sentar, ela chega bela, subtil, com um sussurro ao ouvido.

Tão suave e serena, hipnotiza a razão.

Encontra então o cume mais alto e deixa-se levar pelos ventos.

Aqui e ali, a alegria convida-a para dançar.

A pensar sem razão, deixa-se ir.

E nesse baile, a chama da alegria começa a apagar-se.

O seu fogo vigoroso entra docemente no compasso do coração do dedo grande.

Assim, num dia qualquer — nem bom, nem mau —, o sorriso já não está.

O que está, não é.O que não é, não está.

Ó vazio eterno! Deixa-me preencher-te com a minha tristeza.

E por isso a tristeza continua ali, sentada,com as suas longas pernas sobre a terra do amanhã,sem olhos para a ver.

E também por isso é bela.

Porque sonha com o que ainda não foi visto,procura o que já tem,sente com o coraçãoe ainda não se encontrou.

Eterna e só, sente tudo na sua solidão.Isso torna-a densa, isolada, vazia…tanto, tanto,que até a gravidade a ajuda a tornar-se cinza.

Mas mesmo em pó, continua bela.

Os seus pequenos grãos, voando pelos ventos,criam gemidos, lágrimas, feridas, dor…tudo muito, muito pequenino.

O suficiente para criar poesias belas.

O suficiente para oferecer descanso à razãoe abrir espaçopara uma vida sem sentido.

 


 
 
 

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