A Gravidade da Tristeza
- Annick Doza
- Jun 9
- 2 min read
Updated: Jun 10
E entre cinzas que voam, há quem veja beleza.
Para ti, que sabes ouvir os gemidos suaves do pó.
shady shady

A tristeza senta-se com as suas longas pernas sobre a rocha onde, um dia, germinou a esperança. Os seus pés, pesados, frios e nus, repousam sobre a terra do amanhã.
O seu dedo grande, nu e ferido, bate no chão com uma dor imensa — em suaves batidas.
Ali nasce o que não se encontra: uma ferida eterna, vazia, abandonada.
Num gesto louco de embalar-se, a tristeza já não se reconhece.
E o amanhã… nunca nasce.
Permanece sentada, esmagada, afundada no mais profundo do seu existir.
Sem olhos para ver em frente, a sua direcção é ditada pelo impulso do dedo grande.
Sustenta-se, faminta, do que não é.
E, sem fome suficiente, jamais pergunta pelo que será.
Sem se aperceber, sufoca a esperança que brota, timidamente, da rocha da fé.
Antes de se sentar, ela chega bela, subtil, com um sussurro ao ouvido.
Tão suave e serena, hipnotiza a razão.
Encontra então o cume mais alto e deixa-se levar pelos ventos.
Aqui e ali, a alegria convida-a para dançar.
A pensar sem razão, deixa-se ir.
E nesse baile, a chama da alegria começa a apagar-se.
O seu fogo vigoroso entra docemente no compasso do coração do dedo grande.
Assim, num dia qualquer — nem bom, nem mau —, o sorriso já não está.
O que está, não é.O que não é, não está.
Ó vazio eterno! Deixa-me preencher-te com a minha tristeza.
E por isso a tristeza continua ali, sentada,com as suas longas pernas sobre a terra do amanhã,sem olhos para a ver.
E também por isso é bela.
Porque sonha com o que ainda não foi visto,procura o que já tem,sente com o coraçãoe ainda não se encontrou.
Eterna e só, sente tudo na sua solidão.Isso torna-a densa, isolada, vazia…tanto, tanto,que até a gravidade a ajuda a tornar-se cinza.
Mas mesmo em pó, continua bela.
Os seus pequenos grãos, voando pelos ventos,criam gemidos, lágrimas, feridas, dor…tudo muito, muito pequenino.
O suficiente para criar poesias belas.
O suficiente para oferecer descanso à razãoe abrir espaçopara uma vida sem sentido.
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